Este mês começou triste. Dia primeiro não tínhamos mais a TV Shoptime disponível para o público brasileiro.
Em 6 de novembro de 1995, ela aparecia como primeiro canal de vendas do Brasil. Nessa época, tinha completado três anos. Os direitos eram divididos em 40% para o grupo Globo e 10% para as Americanas.
Não sei quando foi meu primeiro contato com a marca. Mas foi cedo. Adorava ver vários objetos longe da minha realidade sendo utilizados e testados na hora.

Provavelmente, o fim da TV Shoptime está relacionado com a Recuperação Judicial da Americanas. Mas a discussão pode e deve ser mais ampla.
Marcas são mais parecidas com pessoas do que com negócios
Se alguém oferecesse um salário de 2 milhões por mês para você trabalhar na defesa de criminosos, você iria?
Provavelmente, a resposta é sim. Mas por mais que negócio tenha falado alto, há grandes chances de que você começasse a morrer por dentro. Sem entrar no mérito da defesa de criminosos confessos, não era aquilo que você imaginou para sua vida, não é mesmo?
O mesmo acontece com marcas.
As vendas, no presente, podem caminhar bem. Entretanto, você já consegue ver que ela caminha para um lado diferente do que sempre defendeu. Do que sempre trilhou.
Assumo que todas as linhas deste texto não são imparciais. Tenho conexão emocional com essa marca em todos os sentidos. Via a programação desde criança. Quando adulto, pude prestar consultoria para pessoas incríveis que lá trabalhavam.
Então, os últimos acontecimentos me deixaram ainda mais tristes.
O que era a TV Shoptime?
Em um aspecto moderno, uma TV com programação ao vivo baseada em vendas se aproxima muito do que chamamos de Live Commerce.
Mas podemos ir além. A TV Shoptime era uma forma que trazia diversão e conhecimento de coisas que nem sabíamos que existia. Tinha uma linha tênue entre diversão, educação e engajamento para vendas.
Reinvenção ou morte
Com o passar dos anos, todos nós ficamos um pouco diferente. Parámos de ver TV como víamos antes. Começamos a comprar mais e mais em e-commerces.
Nesse momento, o Shoptime precisava se posicionar no digital, mantendo a identidade que já tinha conquistado.
Isso não aconteceu.
Ele se tornou um irmão caçula (os mais velhos eram Americanas e Submarino) e vestia as roupas que não serviam mais nos irmãos.
Por mais que tivessem uma equipe de primeira, não recebiam atenção devida para fazerem uma marca de ideias antigas, relevantes hoje.
As funcionalidades, via de regra, eram as mesmas dos irmãos. Tirando promoções específicas, os preços eram parecidos aos irmãos. Na verdade, você pode ver isso agora, os irmãos são idênticos. Apenas têm roupas diferentes.
Identidade x Negócios
Marcas se parecem mais com pessoas do qualquer pode imaginar. Eu, por exemplo, tenho mais carinho pela marca Shoptime do que tenho por um tio distante que vi apenas uma vez.
Vários sentimentos se misturam quando penso em tudo que já vivi com essa marca. Sim, eu vivi com uma marca.
Esse é o grande desafio nos negócios. Quando sua empresa pertence (ou é adquirida) por outra marca, nem sempre a identidade anterior é considerada.
Por vezes, tudo é colocado a perder por métricas de curto prazo. Mas, se você achou a marca tão importante, ao ponto de adquiri-la, por que você toma decisões que fazem com que ela morra?
Matá-la pode até dar algum lucro no curto prazo. Mas estimulá-la e fazê-la crescer daria muito mais no futuro.
Por mais contraintuitivo que pareça, nos últimos anos, presenciei diversos casos de marcas que morreram quando foram compradas. Todo valor da marca foi ao sepulcro, bem como uma grande relevância possível para o futuro.
Sem sal, sem movimento
Às vezes, uma marca morre por inanição. Por mais que quem comprou, aparentemente, mantenha tudo em ordem, o que está acontecendo é justamente isso: está tudo em ordem.
Uma marca que opera em ordem por vários anos acaba morrendo. No caso de Shoptime, diversos passos deveriam ser dados para que a empresa pudesse trilhar seu caminho.
A marca que encantou e acompanhou tanta gente agora é só um e-commerce. Por mais que você tenha carinho por ela, pouco conseguirá diferenciá-la dos demais market places. A tarefa fica ainda mais complicada se compararmos com seus irmãos.
É óbvio que isso pode ser feito, uma vez que a marca continua ativa. Mas parece, neste momento, pouco provável.
O fim da TV Shoptime
Quer ver os últimos instantes da TV Shoptime? Veja:
Eu não fui o único a ficar triste com esse momento.
Veja a reação de algumas das pessoas que comentaram no vídeo acima:

Futuro?
Recentemente, um vídeo foi publicado para dizer “o que vai acontecer com o Shotime”.
No vídeo, é dito que podemos encontrar as coisas com o “mesmo jeitão” no Youtube de Americanas.
Infelizmente, isso também não acontece.

Ele também relata a existência de lives no canal das Americanas. Mas a última foi na Black Friday:

Por fim, disse que tudo poderia ser acessado pelo Aplicativo Americanas. Ao baixá-lo, não encontrei nada relacionado.
Como podemos notar no vídeo, me parece que Americanas tenta assumir não só a TV Shoptime, mas toda estrutura de marca de Shoptime (será que o fim da marca também se aproxima?).
Caso contrário, faria sentido continuar a produção de conteúdo direto no Youtube de Shoptime e integrá-lo com o próprio App de Shoptime.

O futuro é nebuloso. Mas o passado é alegre. É feliz.
Obrigado, TV Shoptime. Você continua viva em meu coração.
P.S: Em breve, mostraremos o outro lado. Nem sempre uma aquisição é o fim da marca.